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Braço de

aluguel

Quem são e como atuam os profissionais que ganham a vida cuidando de pessoas idosas
Por Beatriz Quesada

Mesmo com as duas pernas amputadas por conta da trombose, Zélia, 78, vivia uma vida autônoma: tomava banho, cozinhava a própria comida, e passava da cama para a cadeira de rodas sem a ajuda de ninguém.
 

As coisas mudaram depois da última internação no hospital. Complicações de uma infecção na bexiga a deixaram com sequelas semelhantes às de um ataque vascular cerebral (AVC): não formulava frases com nexo, tinha problemas de memória e não se locomovia com a mesma autonomia.

Dona Zélia e sua cuidadora | Fotografia: Jessica Bernardo

"Era perigoso isso, era perigoso aquilo, eu não podia ficar sozinha...Nem quando eu perdi as pernas eu fiquei tão dependente" | Fotografia: Jessica Bernardo

Os medicamentos recuperaram a lucidez de Zélia, mas não a tranquilidade da filha Valdirene. Apesar da visível melhora após o tratamento com medicação, Val ficou apreensiva em deixar a mãe sozinha o dia inteiro enquanto trabalhava fora


Era hora de contratar um cuidador formal.


No caso de seu Ernesto, a decisão partiu inteiramente dele. Solteiro e vivendo sozinho, tem lutado há anos contra um enfisema pulmonar. Durante seus passeios pelo bairro dos Jardins, onde mora, já estava acostumado a carregar o concentrador de oxigênio atrás de si “como um cachorrinho”. 


A dificuldade aumentou quando mesmo pequenas distâncias,  da sala até a porta por exemplo, começaram a causar falta de ar. Pouco a pouco seus empregados domésticos acabaram por lhe dar a assistência diária de um cuidador.

"A cabeça fala que eu posso mais, o corpo mostra que eu não posso, aí eu não vou além daquilo que eu posso fazer." | Fotografia: Dalia Gutiérrez

O que faz um cuidador e quem pode exercer a função

“Hoje em dia, para a pessoa assumir a condição de cuidador formal, nada é exigido. A atividade ainda não é regulamentada como profissão no Brasil”, explica Raquel Queiroz, pesquisadora e psicóloga especialista em idosos.


Quando o cuidador é contratado pela família, a legislação que rege a relação é a mesma que de outros trabalhadores domésticos. Na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), cuidar de idosos é um trabalho equivalente ao de babás, mães sociais e cuidadores de saúde. 


Como esses outros profissionais, eles devem zelar pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida. Os horários de serviço variam de meio período a tempo integral.


Raquel afirma que as famílias estão começando a perceber a importância de uma formação especializada que permita um cuidado mais atento. Atualmente existem diversos cursos para cuidadores no Brasil, com durações que variam de encontros semanais até meses de estudo diário.


Embora seja um pré-requisito cada vez mais frequente, nem Ernesto nem a família de Zélia acabaram por contratar profissionais formados em cursos de cuidadores. Ambos optaram pela proximidade em vez da instrução.


“Aceitar uma pessoa desconhecida dentro de casa é muito difícil. Eu espero não ter que fazer isso”, afirma Ernesto.  Por sorte, seu atual cuidador não poderia ser uma pessoa mais próxima. O farmacêutico Rodrigo Silva, foi criado pela tia, que trabalhou por 47 anos para a família de Ernesto como empregada doméstica.

Patrão e empregado se conhecem desde que Rodrigo nasceu | Fotografia: Dalia Gutiérrez

O primeiro emprego de Rodrigo foi como zelador do condomínio de Ernesto, no qual permaneceu por 15 anos. “Na sexta eu saí do cargo de zelador e na segunda eu já estava trabalhando aqui”, conta Silva. “O seu Ernesto estava precisando de ajuda em casa, de alguém que dirigisse para ele, aí eu vim”.


Com o avanço da doença do patrão, Rodrigo passou naturalmente a fazer as vezes de cuidador. Os dois já estão nesse arranjo há um ano e meio. Na parte da noite, duas ex-empregadas domésticas de Ernesto se revezam dormindo no apartamento. 


A cuidadora contratada por Val para cuidar de sua mãe também trabalhava como doméstica. Antes de  ficar um mês como cuidadora na casa de uma vizinha, Juliana da Silva, 22, não tinha tido nenhum contato próximo com idosos, nem mesmo com avós.

“A Juliana caiu aqui de paraquedas. A mãe dela é da nossa igreja, indicou ela. Aí ela foi conversando e ficou”, explica Zélia. Já se passaram cinco meses de convivência desde então.

Zélia e Juliana convivem tem 56 anos de diferença de idade | Fotografia: Jessica Bernardo

O perfil dos cuidadores

A maioria desses profissionais são mulheres e grande parte deles era trabalhador doméstico do patrão antes de ser seu cuidador. Segundo a pesquisadora Raquel Queiroz, essa situação causa distorções no trabalho desses profissionais.


“Existe historicamente uma confusão com a função de trabalhador doméstico. As pessoas veem o cuidador chegando na casa e já querem que ele faça tudo, não só o serviço relacionado ao idoso”, explica.

Raquel destaca que o cuidador deve assumir funções restritas à manutenção do cuidado, como lavar a roupa do idoso, cozinhar para ele se for necessário, fazer uma limpeza leve no ambiente ao redor.


Faxina pesada, cozinhar para a família, tomar conta das crianças da casa e outras funções domésticas não devem ser tarefas do cuidador de idoso. “Muitos cursos não falam isso, então os próprios profissionais não sabem bem quais são as funções deles”, aponta a psicóloga.


Juliana é um exemplo disso. Enquanto Zélia falava, a cuidadora subia e descia da laje com um balde. “Eu chego aqui 8h da manhã, que é quando ela toma o remédio da pressão. Aí eu fico aqui sentada, parada, é um pouco entediante. Então eu acabo fazendo as coisas de casa também”, explica.


A faixa de ensino dos cuidadores vai desde educação básica incompleta -- como Juliana, que atualmente cursa um supletivo do ensino médio -- até ensino superior, caso de  Rodrigo.

Juliana cursa do supletivo no período da noite | Fotografia: Jessica Bernardo

O salário do cuidador

O mínimo que um cuidador pode receber atendendo em domicílio é R$ 880, um salário mínimo. Trabalhos em instituições de longa permanência (ILPS) normalmente têm remuneração mais alta.


A faixa média segue em R$1262 no estado de São Paulo segundo o site de vagas de emprego Catho. A remuneração varia também com tempo de permanência no trabalho -- dia todo, somente à noite, meio período -- além de trabalho aos finais de semana,  quando a diária é mais cara.

Rodrigo trabalha em período integral todos os dias da semana, finais de semana e feriados. Por mês, são R$4200. “Antes ele vinha só até o sábado, mas eu precisava de alguém no domingo e ele estava precisando do dinheiro, então acordamos dessa forma”, explica Ernesto.


Já Juliana recebe R$1200 reais mensais, uma quantia mais próxima da média salarial do estado. Trabalha das 8h às 16h, de segunda à sexta, e aos feriados das 8h ao 12h.

O que um cuidador deve fazer

Juliana se sente muito apegada à Zélia, ainda que as duas só tenham cinco meses de convivência. Para a idosa, entretanto, a realidade é mais difícil. 


“Ninguém sabe como é difícil. Tira sua privacidade... Você não é mais aquela. Você não manda mais em si mesma, os outros que mandam em você. É muito chato. Cê vira uma criança…”, conta.

"Eu andava pra cima e pra baixo, tudo que era porta aberta eu entrava." | Fotografia: Jessica Bernardo

Zélia passa o dia todo assistindo TV na sala de sua casa e às vezes sai com Juliana para dar uma volta. Para uma senhora que se orgulha de ser conhecida por todo o bairro, a nova rotina causa tédio e frustração.
Ernesto não tem esse problema. Trabalha até hoje com o sócio em escritório no seu próprio apartamento, onde traduz obras do inglês e escreve livros didáticos. Durante à noite, o espaço se transforma em seu quarto para facilitar a locomoção.

A vida social diminuiu e a autonomia também, mas o sentimento de limitação não é tão forte como o de Zélia. Para a pesquisadora Raquel Queiroz, é tarefa do cuidador  promover a autonomia e independência do idoso, para que ele não se sinta incapaz. “Cuidar não é só deixar a pessoa limpa e alimentada. É preciso estruturar uma rotina estimulante”, afirma.

A falta de regulamentação da profissão não estabelece diretrizes claras para a conduta dos cuidadores -- nem para os diferentes cursos que existem -- e permite que muitos trabalhem sem o conhecimento necessário para cuidar do idoso. “O cuidador precisa ter conhecimento das relações sociais, de nutrição, de psicologia.”, explica Raquel.

Os cuidadores de Zélia e Ernesto pretendem seguir na carreira. Juliana encontrou um curso para cuidadores de idosos perto de casa e pretende começar já no próximo mês. Rodrigo ainda não sabe se vai se especializar na área com um curso, mas não pretende voltar à antiga profissão. “É uma área totalmente diferente, que eu não imaginava, mas eu estou gostando”.

Rodrigo diz que cuidar de seu Ernesto requer o mesmo cuidado que zelar por seus dois filhos | Fotografia: Dalia Gutiérrez

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Projeto desenvolvido pelas alunas do curso de jornalismo da ECA/USP

Beatriz Quesada, Carolina Oliveira, Dalia Gutiérrez, Jessica Bernardo, Letícia Paiva e Vitória Batistoti

Orientação: Daniela Osvald Ramos

© 2016 

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