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Morando

sozinho

Quem são e como vivem os idosos que moram sozinhos 

Por Vitória Batistoti

Os cabelos brancos, as mãos e pele enrugadas, o passo lento e as tantas histórias que tem para contar. Aos seus 84 anos de idade, Eliete Pissarro é viúva, mãe de dois filhos adultos casados, avó de três netos e única moradora de um modesto apartamento de dois quartos na Vila Matilde, bairro da Zona Leste da capital paulista.

 

Há cerca de vinte anos, Eliete saiu de uma casa térrea que morava com o marido e a filha e mudou-se para o endereço atual apartamento, por ser melhor localizado e mais seguro para filha O pequeno apartamento de dois quartos abrigava os três moradores muito bem, até que seu marido faleceu. "Depois, minha filha se casou e eu fiquei aqui sozinha", conta Eliete. E assim está há quinze anos, vivendo de forma independente em um lar só seu.

Como Eliete, histórias de idosos que moram separados de membros do núcleo familiar vêm sendo cada vez mais frequentes. Segundo pesquisas de 2014 do IBGE, dos 10 milhões de brasileiros que vivem sozinhos, 43,4% são indivíduos com mais de sessenta anos. Ou seja, se outrora era difícil imaginar um idoso vivendo autonomamente, hoje, percebe-se que essa realidade vêm crescendo.

 

 

"Durmo com o rádio ligado a noite inteira. Ele [o rádio] tem que falar pra eu saber que tô viva!" | Fotografia: Vitória Batistoti

Aficionada por livros de palavra cruzada, os quais preenchem o móvel da sala, Eliete não pratica mais nenhuma atividade como no passado, quando realizava cursos e praticava ginástica no condomínio. “Eu cheguei a praticar, mas não me adaptei. Agora, só tenho o trabalho e a Igreja”.

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Eliete mostrando a vizinhança, em particular a proximidade da Igreja Nossa Senhora do Belo Ramo da sua casa. | Fotografia: Vitória Batistoti

O "morar"

Eliete diz que sua geladeira vive vazia. Se ela cozinha? “Nem pensar”, responde com convicção. Ela faz suas refeições na creche, onde almoça e janta a sopa feita no refeitório. “Eu trabalhei uma vida toda, sempre cozinhei, fui dona de casa, agora eu não sou mais nada”, responde aos risos. E confirma que isso não lhe traz saudade nenhuma. Já sobre a tarefa de limpar a casa, Eliete diz que recebe uma ajudante uma vez por semana para limpar o principal e o básico é ela quem limpa. As compras do mercado quem faz é uma colega da creche. ​

Até agora, as adaptações em seu lar foram poucas. Na sala, Eliete trocou o piso de taco para piso frio. O cômodo também tinha um tapete, que foi retirado. Ainda assim, após a mudança, Eliete sofreu seu primeiro tombo, que traz lembranças em sua perna ainda dolorida. “Eu estava de meia de lã e sandália de borracha. O chinelo foi e eu fiquei, daí derrapei”. Para evitar outras turbulências, ela abandonou a combinação de meias e chinelo. “Agora só fico de sandália. Não vou cair mais, se Deus quiser”.

No banheiro, ela colocou um tapete na porta do boxe e trocou o assento sanitário comum para outro mais elevado, pois devido a uma cirurgia no joelho, estava com dificuldades na hora de se levantar.

 

Já no quarto, o armário alto está fora de seu alcance. Antes ela utilizava uma escada para abrir as portas, mas hoje já não faz isso com tanta frequência, já que deixa na parte de cima as coisas que não usa no dia a dia. “Mas quando eu preciso de alguma coisa eu tenho que subir. O que a gente vai fazer? Não tem outra opção”. Na cozinha, a mesma tática do armário é utilizada, ainda que eles sejam mais acessíveis. Na fileira de baixo estão os alimentos e objetos de uso cotidiano, na de cima, não se vê nada. Isso porque conforme ela vai utilizando os produtos, vai posicionando-os na parte debaixo.

Na área de serviço, as roupas que acabaram de sair da máquina já estão penduradas no varal  tem cordinhas para aproximar as roupas na altura certa de Eliete.  

 

 

"Morar sozinha não era o que eu queria pra minha vida, só que aconteceu. O que dá pra fazer? Nada, né". | Fotografias: Vitória Batistoti

As adaptações realizadas em seu lar são pontos relevantes quando se pensa em moradia para idosos, afirma Olga Quiroga, coordenadora do Grupo de Articulação para Moradia de Idosos na Capital. "O idoso vai perdendo a agilidade, vai ficando mais devagar. O corpo vai se deformando, ganhando uma forma diferente", ela comenta.

 

Maria Lima, 65 anos, sabe disso.

 

 

 

 

 


Maria: vive sozinha em um apartamento no bairro da Vila Mariana. | Fotografia: Vitória Batistoti

Moradora de um apartamento de 97m² no bairro Vila Mariana, na zona centro-sul de São Paulo. Maria é natural de Babaçulândia, cidade do Maranhão. Veio para a capital paulista ainda jovem e aqui construiu sua família: casou-se e teve duas filhas. Hoje, ela é separada e suas filhas estão casadas e vivem no interior do estado. Como grande parte da sua família continua no Norte, Maria vive sozinha há Z anos. "Vivo sozinha entre aspas", ela nos corrige. "Os parentes pensam 'a Maria mora sozinha, vamos pra lá'. Menina, olha, é um saco!. Vem gente, vem gente, vem gente... Há uma semana, minha irmã estava aqui".

Por isso, com frequência, seu apartamento abriga algum membro da família. Mas ela ressalta que preza muito por sua individualidade. "Minha irmã fala assim: 'Tu deveria morar ir com suas filhas já que aqui você fica sozinha'. Vou nada, rapaz. Aqui eu tenho minha casa, faço o que quero, como o que quero. Vou na casa dos outros pra ficar num quartinho bitolada?'"

 

Agitada, o tédio não é seu companheiro. Ela está sempre viajando de ônibus para visitar suas filhas, frequentando semanalmente o centro espírita , indo ao mercado e feiras. "Vocês tão pensando que eu fico só dormindo, é?", brinca Maria.

No entanto, as complicações da idade citadas por Olga Quiroga e que chegaram para Eliete Pissarro também já apareceram no cenário de Maria: ela conta que também teve que adaptar sua casa. Após sofrer uma queda durante o banho, teve de equipar a área do boxe com tapetes antiderrapantes. "Hoje não sou mais trouxa , tomo banho em cima do tapete e mais o chinelo", diz. Além disso, também posiciona os produtos mais próximos para evitar andar no chão molhado.

O andar superior do armário da cozinha também passou a ser um desafio para Maria, que posicionou os utensílios que utiliza cotidianamente no andar debaixo, o qual ainda consegue alcançar ao esticar os braços. Lá em cima do armário, no entanto, está a batedeira, encostada há tempos.

Fotografias: Vitória Batistoti

Quanto custa a segurança?

Como as adaptações de Eliete e Maria, é recomendado, por medidas de segurança e comodidade, que os idosos que vivem sozinhos em seus lares façam ajustes no ambiente para garantir melhor acessibilidade nos cômodos da casa, dependendo da necessidade de cada um. 

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Projeto desenvolvido pelas alunas do curso de jornalismo da ECA/USP

Beatriz Quesada, Carolina Oliveira, Dalia Gutiérrez, Jessica Bernardo, Letícia Paiva e Vitória Batistoti

Orientação: Daniela Osvald Ramos

© 2016 

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