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Quando as instituições de abrigo para idosos são a opção
Por Jessica Bernardo e Letícia Paiva

A responsabilidade por assumir os cuidados do idoso na velhice é, preferencialmente, da família – é o que diz a Política Nacional do Idoso, de 1994. No imaginário social, essa opção é confirmada: se há possibilidade do idoso contar com a dedicação de algum membro da família, dificilmente estabelece-se em uma ‘casa de repouso’ por comodidade. “Colocar o idoso em uma instituição de longa permanência ainda é tido como abandono”, explica a professora Maria Luisa Bestetti, especialista em gerontologia ambiental, da USP.

No Brasil, menos de 1% do total de idosos vivem em instituições de longa permanência, as chamadas ILPIs. Até 2010, o IPEA mapeou um total de 3 548 ILPIs no Brasil, sendo 34,3% delas no estado de São Paulo. As públicas representavam apenas 6,6 % no país e a maioria era filantrópica. Carência financeira e falta de moradia apareceram no radar como os principais motivos para optar por uma ILPI.

Na capital paulista, a população com mais de 60 anos gira em torno de 1,3 milhão, mas o número de vagas em ILPIs oferecidas pela Prefeitura não ultrapassa 300. São 9 instituições como essas na cidade, oferecendo cuidados 24 horas por dia para idosos em situação de vulnerabilidade, encaminhados pelas redes municipais de proteção, Ministério Público e Poder Judiciário.

 

 

 

 

O número de vagas é pequeno para a demanda, e não é só isso que preocupa: enquanto a parcela de idosos na população total vem crescendo em ritmo acelerado, as vagas em ILPIs públicas aumentam a passos miúdos. Está em fase de instalação mais uma ILPI, na Vila Mariana.

Nas instituições públicas, estão idosos que não podem contar com o apoio da família, mas ainda são suficientemente autônomos. O atendimento a idosos em estado avançado de dependência física ou mental é restrito nas ILPIs públicas. “Se o idoso que está nesse serviço atinge certo grau de demência, o poder público não consegue mais atendê-lo. Ele volta para a família”, explica Guiomar Silva Lopes, da Coordenação de Políticas para Idosos, da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura.

Com o envelhecimento da população, há também uma queda na relação de oferta entre potenciais cuidadores informais – em geral, membros da família que podem se dedicar em tempo integral - e os idosos necessitando de cuidados. “As mulheres são vistas como cuidadoras por essência. Com sua dedicação a outras áreas, como o trabalho, o cuidado com o idoso não pode ser suprido por ela”, diz Guiomar.

Em 2050, haverá dois cuidadores familiares para cada idoso com 75 anos ou mais. Em 2000, eram cinco. Essa queda é refletida no aumento da demanda por serviços que ofereçam suporte à população idosa.

Para além das ILPIs, surgem outros equipamentos para sanar as novas necessidades. Em São Paulo, lei municipal de 2014 prevê a criação dos Centros Dia para Idoso, espaços onde passam da manhã à noite em atividades para exercitar habilidades cognitivas. Desde então, foram criadas 8 unidades como essa, com 30 vagas cada, com planos de expansão em poucos anos. O setor privado também vem apostando nesse equipamento – muitas vezes entendido pelo familiar como creche para os mais velhos, afastando a ideia de abandono.

No Cora Residencial Senior, rede de lar para idosos, essa modalidade de estadia é chamado de senior day. A empresa BSL (Brasil Senior Living) investe, desde 2015, na rede, que também conta com internação de longa permanência. No Cora, as mensalidades começam na casa dos 4 mil reais, enquanto espaços semelhantes podem cobrar três vezes mais. A estadia inclui aulas de culinária, horta e música, em espaços coloridos que buscam se afastar do ambiente hospitalar. O plano é abrir 29 unidades no Brasil – até agora, são quatro na capital paulista.

O número de ILPIs privadas têm apresentado crescimento considerável. De 2015, e 2016, foram criadas mais de cem novas instituições com fins lucrativos em São Paulo, de acordo com levantamento do Ministério Público. A pesquisadora do IPEA Ana Amélia Camarano ressalva, no entanto: “O mercado privado está respondendo às demandas dessa nova população, mas ainda está longe de atender”.

 

 

 

Irregularidades

No dia 26 de outubro deste ano, um incêndio atingiu uma instituição de longa permanência para idosos (ILPI) no bairro Alto de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista. No acidente, um idoso ficou ferido e precisou ser encaminhado ao Hospital das Clínicas. O acontecimento parece ser uma exceção entre as entidades de longa duração para a idade mais avançadas, mas infelizmente pode ser mais comum do que o esperado.

Segundo um relatório publicado este ano pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), 73% dos asilos estaduais não possuem alvará de funcionamento pelo Corpo de Bombeiros (AVCB). O documento, que deve ser expedido após uma vistoria da corporação no local, certifica a segurança do espaço no caso de um acidente.

Procurada, a Casa de Repouso Light Life, onde aconteceu o incêndio em outubro, não quis comentar se a unidade incendiada possuía ou não o alvará. Em consulta à plataforma do Corpo de Bombeiros que permite visualizar, a partir do endereço do local ou do número do documento, se o estabelecimento tem o alvará, não encontramos nenhum registro do AVCB para o endereço da unidade.

Em 2015, outro acidente de mesma natureza e maior gravidade chamou a atenção da prefeitura de Jaú, no interior de São Paulo. A casa Bem Viver, tida como uma das instituições mais luxuosas da cidade, pegou fogo, causando a morte de duas pessoas e ferimentos em outras cinco. Após a tragédia, a prefeitura constatou que a ILPI não possuía alvará e era mais uma das instituições ilegais em funcionamento no estado.

De acordo com o levantamento do Ministério Público, a maior parte das entidades não conta com as licenças ou registro necessários em dia. A promotora Cláudia Maria Berê, que atua no campo da Pessoa Idosa no MPSP, explica que para funcionar legalmente, uma ILPI precisa contar com quatro documentos básicos: inscrição no Conselho Municipal do Idoso, vistoria pelo Corpo de Bombeiros, licença da Vigilância Sanitária e permissão de funcionamento pela prefeitura.

Quando olhamos para a cidade de São Paulo, no entanto, das 420 entidades de atendimento à pessoa idosa conhecidas pelo MPSP, 82% delas não possuem registro do Conselho Municipal do Idoso, 35% não possuem AVCB e 31% estão sem a licença da Vigilância Sanitária.

A pesquisadora do IPEA Ana Amélia Camarano explica que isso acontece porque, para atender todas as demandas da fiscalização e garantir um serviço de qualidade, as empresas têm que realizar altos investimentos, mas, sem possuir os recursos necessários, os donos optam por aproveitar a oportunidade do mercado – que conta com um crescimento no número de idosos – e abrir um negócio sem os cuidados adequados. E com a expansão do mercado, o surgimento de casas ilegais ou clandestinas tende a crescer ainda mais.

O MPSP classifica como clandestinas as entidades que prestam serviços informais de atendimento, sem qualquer contrato legal. Nesse caso, a atenção por parte dos agentes fiscalizadores deve ser redobrada. Cláudia Maria explica que as famílias têm um papel importante nesta inspeção, já que visitam ILPIs com maior regularidade que os órgãos fiscalizadores.

Segundo a promotora, a percepção de cheiro de urina nos locais, bem como o emagrecimento acentuado dos idosos são características que podem ser percebidas pelos familiares e indicam que as empresas não estão trabalhando de acordo com a lei.

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Projeto desenvolvido pelas alunas do curso de jornalismo da ECA/USP

Beatriz Quesada, Carolina Oliveira, Dalia Gutiérrez, Jessica Bernardo, Letícia Paiva e Vitória Batistoti

Orientação: Daniela Osvald Ramos

© 2016 

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